Supersalários em tecnologia só valem para PJ? Contratos flexíveis empolgam, mas CLT não fica atrás

Zubov Morozov
By Zubov Morozov 9 Min Read

A pandemia de Covid-19 potencializou a busca por profissionais de tecnologia no Brasil e no mundo. E a alta demanda combinada à escassez de mão de obra tem contribuído para a oferta de salários bastante atrativos.

Em novembro, a recrutadora Robert Half lançou um guia salarial com perspectivas de remuneração para 2024 em várias áreas, incluindo tecnologia.

Os salários dos cargos analisados chamaram atenção, com remuneração acima de R$ 20 mil em várias ocasiões, e de até R$ 51,6 mil para um diretor de tecnologia experiente (veja aqui).

No entanto, alguns profissionais questionaram se esses “supersalários” são mesmo aplicáveis para contratos com carteira assinada ou apenas para quem trabalha como PJ.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, apesar de os contratos PJ serem conhecidos por pagar salários maiores ao fim do mês, o modelo nem sempre compensa e esses valores também podem ser atingidos com um emprego CLT (entenda abaixo). Em resumo, o contrato CLT é aquele em que a empresa registra o funcionário em carteira e, assim, precisa seguir todas as normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como pagar férias, 13º salário, FGTS, INSS etc.

O contrato PJ, por sua vez, é um acordo entre pessoas jurídicas (empresas), então não garante ao trabalhador os direitos da CLT, explica o advogado trabalhista Denison Leandro.

“Ele recebe um salário um pouco maior porque não tem os descontos no holerite, mas tem que tirar dinheiro do próprio bolso se quiser algum benefício”, afirma o especialista.

Qual paga mais: PJ ou CLT?
“Hoje a gente tem salários muito atraentes no modelo PJ e no modelo CLT. Vai depender do tamanho da empresa, da complexidade da vaga, se essa empresa é uma startup ou não”, afirma Joel Nunes Carrel, gerente comercial da Randstad Brasil, empresa global em soluções de Recursos Humanos.

De acordo com ele, apesar da tendência de contratos PJ pagarem mais, por não haver descontos, a CLT no Brasil também proporciona salários altos, “principalmente para profissionais mais sênior, que trabalham com dados, inteligência artificial, programação”.

“Já vi uma especialista de segurança da informação que recebia mais de R$ 50 mil em uma empresa conhecida de defesa cibernética, sem cargo de gerência, no modelo CLT”, comenta.

O engenheiro de dados Adalton Tavares de Assis Neto tem experiência com os dois modelos de contratação. Para ele, ser PJ pode ser uma vantagem pela possibilidade de administrar vários projetos e obter melhores salários, mas a estabilidade da CLT também é um fator a ser considerado.

“Antes eu trabalhava somente como PJ, mas, recentemente, houve uma queda nos projetos e perdi alguns contratos. Agora, depois de ter comprado uma casa e a minha filha ter nascido, o valor da CLT é o que me ajuda nas contas, por ser um valor fixo todo mês”, afirma.

E continua: “O PJ sempre vai pagar mais, só que também tem empresas que contratam funcionários e pagam absurdos de salário mesmo, R$ 30 mil, R$ 40 mil, dependendo do que a pessoa faz.”

No entanto, para atingir essa remuneração, nos dois modelos de contrato, é importante se capacitar, orienta Carrel, que atua na empresa de RH com foco em tecnologia.

“Não é só ter conhecimento técnico. Precisa ter fluência no inglês e a capacidade de se relacionar com diferentes ambientes de trabalho. Quem gosta de tecnologia tem que saber que o desenvolvimento é contínuo, que vai morrer estudando”, diz.

Para Rafael Arruda, que é dono de uma empresa de consultoria e treinamento na área de dados, o estudo constante é ainda mais importante para quem é PJ.

“Porque a estabilidade vira o seu conhecimento, não a carteira de trabalho. Se um consultor PJ hoje ganha R$ 15 mil, por exemplo, e, no final do ano, não estiver se atualizando, talvez não consiga manter esse salário no próximo ano.”

Pontos de atenção
De acordo com o advogado Denison Leandro, a “pejotização pode ser interessante para determinadas faixas salariais”. Segundo ele, é importante que o trabalhador receba um valor alto o suficiente para compensar os benefícios que ele está deixando de receber por não ser CLT.

Além disso, para que o contrato PJ seja vantajoso, a empresa precisa realmente “tratar o trabalhador como PJ”, explica.

“Não pode exigir subordinação, por exemplo, obrigar a pessoa a cumprir horário, a participar de reuniões. O trabalhador é uma empresa, então ele tem que dar conta de realizar aquele serviço, vender o que estava no contrato, e pronto”, pontua o advogado.
“E, se a empresa tratar o PJ como empregado, ele pode entrar com uma ação trabalhista e mostrar para o juiz que ele tinha que trabalhar tantas horas por dia, responder a um supervisor, que na verdade ele era um CLT, só não estava registrado.”

Para Carrel, da Randstad Brasil, uma dica para os profissionais que estão começando na área de tecnologia é trabalhar inicialmente em um modelo mais tradicional e, quando atingir um nível sênior, explorar opções de contratos PJ.

“O CLT permite trocas entre colegas, times, desenvolvimento de aprendizado. É a porta de entrada, e faz diferença você trabalhar com a estrutura de grandes empresas, com profissionais mais sênior”, afirma.

E como está o mercado atualmente?
“As empresas no Brasil mais tradicionais, grandes empresas, tendem à contratação CLT”, explica Joel Nunes Carrel.

“Tem uma série de questões. É a necessidade de incluir as pessoas dentro da sua folha de pagamento, do seu guarda-chuva de profissionais”, afirma.

Segundo ele, as empresas que mais contratam no modelo PJ atualmente são as menores, normalmente startups.

“Quando uma startup está em fase inicial, a tendência é que contrate como PJ porque, com o valor de mercado de um CLT, ela pode ter dois PJs e consegue crescer mais rápido”, concorda Águida Silva Pereira, sócia do escritório de advocacia Mapz.law, nichado para empresas de tecnologia.

Rafael Arruda é dono de uma empresa de consultoria e treinamento na área de dados — Foto: Arquivo pessoal
Rafael Arruda é dono de uma empresa de consultoria e treinamento na área de dados — Foto: Arquivo pessoal

O Rafael Arruda é um exemplo. Ele contrata profissionais em modelo PJ para atuar na sua consultoria recém-criada, a Arruda Consulting, em projetos temporários e remotos.

“Não contrato CLT porque é difícil eu tirar de uma empresa um funcionário que está estável, por exemplo. Com o PJ, os consultores podem atuar em vários projetos, em empresas diferentes, e foi um modelo que nos ajudou a escalar o negócio”, conta.

Na opinião do empresário, “é inviável uma empresa no início começar com CLT”. Agora, quando a empresa começa a crescer e ter um número maior de colaboradores, “ter todo mundo PJ é um risco”, alerta a advogada Águida Silva Pereira.

“É que chama a atenção do sindicato, do Ministério Público, e a empresa precisa começar a ter um olhar mais atento e contratar PJ em casos estratégicos”, orienta.

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